Brazilian Black Belt

 

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Prepare-se para o pior. 

Prepare-se para o pior.
 
prepare-se para o pior.
 
Não me considero pessimista.
Essa frase inicial, tampouco, nunca foi para mim um lema. 
Olhando em retrocesso, acho que nunca parei para pensar de verdade nessa simples frase antes desse momento que estamos vivendo, mas foi só começar a refletir um pouco para perceber o quanto ela pautou minha vida e já há quanto tempo.
 
Impossível fazer essa reflexão sem passar pela minha vida esportiva e, vasculhando minha memória, fui notando que nos meus pequenos atos ia adotando essa filosofia inconscientemente. Pelo menos, não me lembro de alguém ter me verbalizado isso, mas certamente exemplos familiares e de amizades ajudaram a reforçar algo que imagino, sem nenhuma certeza, ser uma característica de nascença. 
 
Me lembro desde novo fazendo questão de chegar pontualmente nos treinos, mesmo tendo dificuldade com a parte física da aula, pois na minha cabeça estaria trapaceando se chegasse na hora do treino menos cansado que meus companheiros.
 
Sempre busquei me colocar e treinar contra os pontos fortes de cada colega, pois se me fortalecesse diante da dificuldade estaria melhor preparado para o momento real do desafio.
 
NUNCA, e bato no peito com orgulho, pedi para descansar entre treinos ou se alguém ainda estivesse treinando, antes de me tornar campeão mundial na faixa preta. Depois aprendi que isso não é sempre a melhor forma de treinar, mas foi bom para blindar a mente para as adversidades e me preparar ao menos psicologicamente para o pior.
 
Estar cansado nunca foi desculpa para deixar de fazer o que precisava ser feito. Estar com dor, nervoso ou com medo, nunca foi o suficiente para me fazer deixar de enfrentar minhas dificuldades.
 
Aprendi a, diante da adversidade, ignorar momentaneamente os problemas e entrar de cabeça com aquilo que tinha disponível no momento. Um exemplo, ainda no esporte, me vem a cabeça e conto resumidamente para ilustrar:
 
Mundial de 2012, faixa preta, peso galo, já com os meus 35 anos, ainda lutando na categoria adulto. Nas oitavas de final, venci a luta por 8 a 0 mas, durante uma movimentação, sofri uma grave torção no joelho. As quartas de final era só no dia seguinte, o que pode parecer bom, mas nesse caso era ruim, ao esfriar a dor viria e veio. Já cheguei no hotel mancando e virei a noite acordado, com muitas dores, tentando amenizar com compressas de gelo. 
 
A preocupação estava estampada no rosto de todos que me acompanhavam.
Meu adversário seria um jovem japonês que havia me vencido 3 meses antes, não seria fácil vencer  lesionado, alguém que havia me ganho sem lesão, mas a mentalidade do dia a dia de me colocar e me preparar para o pior, me levou aquele momento com serenidade.
 
Apesar da grande dificuldade e dor, já saí do carro, no estacionamento do ginásio na California, sem mancar e com cara de quem estava entrando no tatame, ninguém ao me olhar seria capaz de imaginar minha dor ou que estava virado sem dormir. 
 
Foco total e pronto para encarar o pior. A luta foi dura, mas saí vencedor. 
 
Felipe Costa jiu jitsu japones
 
Não tive condiçōes de continuar e abri passagem para um grande amigo. Foi meu penúltimo mundial de adulto, conquistando minha oitava medalhas no Mundial IBJJF de faixa preta adulto, em um total de 9 medalhas que viria a conquistar em 11 anos de faixa preta. 
 
Não sei dizer se essa mentalidade no esporte transbordou para vida ou o contrário. O fato é que pautou muitas decisōes: 
 
 "O que de pior pode acontecer?" passou a ser uma pergunta verbalizada ou ao menos pensada em muitas situaçōes. Familiar no hospital, cachorro no veterinário, lesōes, decisōes profissionais e financeiras foram sempre pautadas por indagaçōes de qual seria o pior cenário e quais as opçōes para lidar com ele. 
 
Financeiramente sempre fui muito pé no chão. Isso sim tem grande influência familiar, mas um tanto de personalidade. Ainda criança lembro de brincar com amigos daquele jogo Roleta, onde simulava as apostas de cassino. Meus amigos se arriscavam muito e mesmo sabendo que era brincadeira, nos meus 9 ou 10 anos apostava a maior parte na cor, ou par/impar, que para quem lembra são as opçōes de menos risco e menos rendimento. 
 
Há cinco anos, surgiu a possibilidade de assumir e liderar uma academia em Ipanema, bairro que cresci. Não havia nada de seguro na aposta de estar a frente dessa academia. Havia indícios de que eu teria muito trabalho e pouco lucro. 
 
Eu podia ter continuado com minha vida, sem arriscar as economias familiares, mas apostei em um ciclo natural de minha carreira esportiva. Em decisão familiar, concluímos que valia aproveitar a oportunidade que se apresentou.
 
Investi tempo e dinheiro. Consegui com ajuda dos que foram se tornando parte da equipe e principalmente com os alunos fiéis, aos poucos consolidar o nome da academia e nos consolidar como referência para estrangeiros que nos visitavam de muitos lugares do mundo. Um objetivo difícil e ainda com muito espaço para crescer.
 
Somos a academia com melhor número de avaliações 5 estrelas no Rio, talvez no Brasil. Depoimentos reais e honestos de alunos e  visitantes internacionais.
 
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Ainda assim, mesmo com sucesso aparente, a academia sempre sofreu com altos e baixos financeiros e, apesar de ter alguns meses animadores, houveram anos que só deu para empatar a conta .
 
Há vantagens além da parte financeira. A academia e meus alunos dedicados se tornam uma importante vitrine para consolidar meu prestígio como professor e fortalecer onde tenho mais rendimento: as viagens para dar seminários. Fortalecem, mas não são fundamentais. O que me traz maior alegria é ver que, através desse negócio (portanto, de mim), muitas outras pessoas estão tirando sustento ou fortalecendo a renda familiar. Acreditem ou não, esse pensamento pesa tremendamente na balança quando opto por seguir adiante. 
 
Chegamos no momento atual: Pandemia do Coronavírus, situação sem paralelo no mundo. 
 
Naturalmente, entro no modo defesa e começo a analisar a situação por todos os prismas e a pensar em cada cenário possível.  Não me baseio em achismo. Cada possibilidade que pensei é real de acordo com informações que o mundo tem até o momento e conversas com professores de outros lugares do mundo, onde a epidemia chegou antes ou está para chegar. 
 
Quando estou treinando para uma competição de Jiu Jitsu, nunca parto do princípio que será fácil. Sempre treino esperando que meu adversário será mais técnico, mais forte, mais flexível e mais explosivo que eu e sempre ele é, ao menos, em algum quesito de fato superior. Vou além, imagino que se eu conseguir passar do primeiro, os seguintes serão ainda melhores que o anterior.
 
Isso me faz querer treinar com os melhores presentes no tatame, me faz dobrar o foco quando estou cansado e, antes de iniciar cada "rola", mesmo exausto, pensar que nāo posso esmorecer, pois estarei me sentindo pior na hora da luta. 
 
Eu me preparo para ser o melhor, no meu pior dia. 
 
Não significa que eu ganhe todas, longe disso, como vocês bem sabem. Mas em geral, quando ganho, saio com a sensação de que o treinamento foi muito mais sofrido que o campeonato. 
 
É assim que estou me preparando para a pandemia.
 
Respire fundo. 
 
Primeiro vale frisar que não estou escrevendo um artigo científico, então serei vago, mas falarei o suficiente para explicar meus receios e conclusōes. 
 
O que me parece é que a comunidade de Jiu Jitsu não se deu conta do que isso pode significar para o futuro do esporte. O que mais vejo são pessoas ansiosas para que as autoridades simplesmente autorizem a abertura da academia, com a ilusāo de que no dia seguinte tudo vai voltar ao normal. 
 
Acho que haverá dois caminhos, os incautos que voltarão , seguirão suas vidas normalmente e se verão forçados a voltar atrás quando se derem conta que alguém próximo está doente, ou pior, em estado grave. 
 
No outro extremo, os medrosos, ou precavidos, que por serem de grupo de risco ou conviver com quem seja , simplesmente não arriscarão a frequentar o tatame ou não permitirão que seus filhos o façam.
 
Os que já treinam, sim, pela paixão, certamente se colocarão em alguns momentos de risco, para ter o prazer da prática. Mas qual a chance de alguém que nunca fez, começar a treinar sabendo dos riscos? Eu diria que as mesmas de alguém se interessar em aprender a surfar em uma praia de Pernambuco, que tem ataques esporádicos de tubarão. Quem vai pagar para ver? Tenta argumentar que "houve apenas 65 ataques nos últimos 28 anos" e vê quantos você convence. 
 
 
Enquanto não surgir tratamento seguro ou vacina, acabaram-se os campeonatos ou, na melhor das hipóteses, será para poucos. 
 
"Exagero!" - podem argumentar, "Apenas 5% da população tem sintomas gravíssimos". Mas entre esses, a taxa de mortalidade é de 50% e entre os que tem sintomas considerados graves, a taxa é de 15%.
 
Você acha pouco?
Se você joga seu dinheiro na megasena, por exemplo,  acreditando que tem  chance de ganhar e as chances são de 1 em 50 milhōes, você tem que ter pavor das suas chances percentuais de pegar ou transmitir para alguém de risco o famigerado coronavírus.
 
Sem tratamento ou vacina, para fugir do cenário catastrófico temos uma possibilidade: Que os testes rápidos, com resultado em 5 minutos se tornem tão baratos e acessíveis que valha a pena testar cada indivíduo antes dele entrar no tatame. 
Seria o equivalente a camisinha para proteger contra as DSTs. Alguns lugares não serão rígidos, tenho certeza, mas atrairão o público que escolheram com essa decisão e no momento que surgir um foco e a notícia de alguém com sintomas graves, se verão obrigados a voltar atrás.
 
Com os testes rápidos, campeonatos podem voltar a acontecer.
 
Serão também obrigados a voltar atrás aquelas academias que se compararem com comércio normal, como uma loja de roupas ou perfumes e voltarem tão logo haja permissão do governo. Os praticantes e proprietários de academias de luta terão que entender que não somos um atividade de comércio normal e, se fingirmos ser, se hipoteticamente a coisa for tão ruim como estou me preparando, o preço pode ser alto e a consciência de quem é de boa fé vai pesar. 
 
O cenário favorável é surgir rápido um tratamento ou vacina. 
Aí tudo volta ao normal. Daqui a alguns anos vou me esbarrar nesse texto e rir, com alívio. 
 
Estudos dizem que a vacina vai demorar no mínimo de 12 a 18 meses, mas nunca se sabe. 
 
E claro, para ser coerente, tenho que considerar a hipótese de ser, de fato, "somente um gripezinha", um jogo politico e basta termos fé que vamos passar por isso. 
Mas me recuso a sentar e torcer. Prefiro beirar a paranóia, mas ter um plano para cada situaçāo, mesmo sabendo que, como diz o ditado, "O homem planeja e Deus ri." 
 
 
Lembrem-se, estou especulando, não estou fazendo uma previsão. Estou apenas me preparando para o pior cenário e torcendo para tudo isso passar logo e ter aquela sensação que experimentei em cada conquista: de que a preparação foi bem mais difícil que o desafio em si. 
 
Academia fechada durante a pandemia do corona
 
 
 
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Por que eu? Da alfabetização a faixa preta 

Esse texto começa desconexo, ao menos em minha cabeça.

 

Apenas sei qual o tema central dele, mas também não vou revelar agora, deixo que voce descubra junto comigo. Afinal, se não é uma reflexão fácil para mim, por que eu deveria facilitar para você? Apenas adianto que a coluna vertebral gira em torno de uma única palavra, não digo qual, vamos apenas ver se no final, temos em mente a mesma.

 

Vou contar pequenos fatos, todos reais que aconteceram comigo, nem sempre como coadjuvante mas, de alguma forma, na minha descrição assumo uma posição central, pois é a minha versão dos fatos.

 

Esses fatos contribuíram para me transformar na pessoa que sou hoje, certamente junto com muitos outros. 

 

A tentativa é de seguir uma ordem cronológica, mas não posso garantir nada, exigir de minha memória essa precisão é mais do que posso oferecer. Datas também serão abstratas, ao invés de ano, posso simplesmente descrever como um verão do terceiro ano primário.

 

Pre escola

 

Antes de ser alfabetizado, ou talvez nesse ano, um amigo de sala quebrou a perna, ele portanto, não podia ir brincar no pátio, só podia ir para uma sala e ficar desenhando. Esse menino não era meu melhor amigo, mas era um amigo. Eu não sei se ele não pôde descer ao pátio durante uma semana ou um mês , não consigo me lembrar. A única coisa que me lembro é que fiz companhia para ele todos os dias. 

 

Escola

 

Já mais velho, talvez na primeira ou segunda  série do primário, estudava em um colégio só de homens, onde a hora do recreio girava em torno de partidas de futebol. Todo lugar virava trave e campo, onde as melhores localizações eram reservadas a turma que conseguisse sair mais rápido do refeitório e assegurar o lugar, por ordem de chegada. Comumente crianças das séries acima, resolviam "sequestrar" a bola dos menores e tentar isolar por cima da grade, tentando jogá-la no terreno da Marinha, localizado ao lado, o que tornava praticamente impossível recuperar. 

Faziam isso por pura diversão maquiavélica ou para recuperar o "campo de futebol" melhor localizado.

 

 Como estratégia de defesa, os menores usavam de velocidade e malandragem, tentando correr com a bola, passando de mão em mão, de um para o outro, até que algum enviado conseguisse a proteção de um inspetor. 

 

Haviam os menores mais abusados, que ou se jogavam na frente da bola na hora que os maiores preparavam o chutão, ou conseguiam por trás dar um  "totó" tirando a bola debaixo do braço dos valentões ou, em medida mais extrema, arriscavam um pescotapa e rezavam para São Bento que não fosse identificado ou seria condenado a andar pelos cantos durante vários recreios, até cair em esquecimento.

 

Da minha turma, nunca conseguiram isolar a bola na Marinha, eu era o menor abusado. 

 

Caçula na na rua e escola

 

Criado com um irmão mais velho, dividindo o mesmo quarto, nos tornamos muito unidos, nos momentos difíceis, um teve o outro, mesmo sem perceber, como apoio. Raramente brigamos fisicamente , mas da única  que me lembro, levo um arrependimento profundo. 

Um defendeu o outro sempre, às vezes emotivamente e às vezes fisicamente. 

 

Em uma férias de verão, onde muitas vezes íamos para casa do meu pai, que morava em um condomínio com muitas crianças de todas idades, não me lembro a razão, mas certamente relacionada a uma partida de futebol meu irmão acabou se metendo em uma discussão com um garoto um pouco mais velho e bem maior. Na certeza de que, se aquela discussão evoluísse para uma briga ele levaria desvantagem, acabei me unindo a ele e não me lembro se houve confronto fisico, mas lembro que em maior quantidade, conseguimos nos impor e levar a melhor. 

 

Novamente no colégio, por ser  "bem mais"  velho, a série dele ficava em uma parte separada das crianças da minha série, que nessa altura devia ser da terceira primária. 

 

Havia uma grade que separava um dos corredores que tinha acesso, com apenas uma pequena escada e uma abertura da grade onde um inspetor fiscalizava e garantia que nem os menores subiam e nem os maiores desciam. Mas pela grade conseguimos nos comunicar e freqüentemente via meu irmão e nos falávamos por lá. 

 

Em um determinado dia, ao passar rente a grade, fui avisado que meu irmão estava rolando no chão brigando com um colega, tentei ir na direção mas, o inspetor me segurou. Fingi que havia aceitado e consegui driblar ele pelo outro lado correndo na direção da briga, ao chegar desferi vários cascudos na cabeça do garoto que brigava com meu irmão, fazendo que o soltasse e corresse atrás de mim. 

 

Eu era um dos mais rápidos da minha turma e ao correr de volta para minha área, o inspetor, que antes havia tentado me impedir de passar, fiel ao seu dever, conseguiu segurar o garoto mais velho, que ficou louco de raiva. 

Os outros amigos do meu irmão foram ao delírio e passaram a me cumprimentar e fazer festa ao me verem. 

Eu não tinha mais de 9 ou 10 anos.

 

Com meus prováveis dez ou onze anos, me meti numa briga com um garoto mais velho da mesma escola, não lembro da razão ou grandes detalhes, apenas que levei ampla desvantagem, fomos levados a coordenação e incessantemente tentava avançar nele, cego de raiva, mas toda vez que cheguei perto, ele conseguia me bater. Só conseguiram me acalmar com a presença de um monge que foi chamado exclusivamente para isso. Desse episódio quase não me lembro de nada, apenas que apanhei e quanto mais apanhava, mais partia para cima, sem sucesso. 

 

Comecei a treinar JiuJitsu

 

Com meus doze anos incompletos, iniciei no JiuJitsu, entrei sem entender exatamente onde estava indo. Fui porque quis. Eu pedi, eu convenci meus avós que bancaram. Poderia ter sido karatê ou Judô, eu não saberia a diferença, mas era o JiuJitsu que era perto de onde eu morava.

 

A base familiar e a sorte de me tornar amigo de pessoas com boa índole foi muito importante pois, nessa época, o JiuJitsu não era voltado para o esporte, como muito amplamente é hoje e nem para defesa pessoal, como os nostálgicos gostam de descrever. O Jiu-Jitsu era voltado para BRIGA mesmo, claro que a parte de competição (esportiva) estava crescendo, mais o dia a dia era sempre voltado para nos deixar prontos para briga. 

 

Se puxar pela cabeça, consigo lembrar vários exemplos de metáforas usadas durante o treino que faziam referência a brigas, como por exemplo ao se encontrar por baixo no treino o professor falar: "Vamos, sai logo daí, se fosse na areia quente da praia, ia querer ficar por baixo?" 

 

Hoje tenho perfeita consciência do cuidado que devemos ter e o que devemos falar perto dos alunos menores, eu ali era uma esponja e consegui conhecer a personalidade de vários professores e ao crescer (com entendimento que a maturidade trouxe), perceber os de melhor caráter e os de caráter mais duvidoso.

 

Praia I

 

Nesse mesmo ano que iniciei no Jiu-Jitsu, já ia muito a praia na companhia apenas do meu irmão, que pegava onda e eu ficava na areia com outros amigos, pois não demorei nada para perceber que, devido ao pavor de onda grande e vários caldos que tomei , surf e body board "não eram minha praia". 

 

A praia era onde nos encontrávamos e onde minha memória lembra de várias situações agradáveis da era onde não havia celular nem internet e, para encontrar um amigo, tínhamos que simplesmente aparecer e contar com a sorte.

 

Em um desses verões, mas podia ser primavera, outono ou inverno...certeza só tenho que era um dia de sol, esperava na areia lotada meu irmão sair da água com sua moreyboog para voltarmos para casa. Quando vejo que meu irmão, já saindo do mar, com água abaixo do peito discutia com um cara bem maior, entrei em estado de alerta e me aproximei, mas só com água até o pé, meu medo do mar não me permitiu chegar mais perto.

 

De repente, o grandão desferiu um tapa na direção do rosto do meu irmão, que com reflexo em dia conseguiu bloquear.

Meu estado de alerta virou instinto animal, ainda assim sabia que entrar na água só faria com que meu irmão tivesse que além de se defender, me salvar do afogamento. Da beira da água, comecei a gritar para o agressor coisas como " Vem aqui seu covarde, bate em mim se você for homem, chega perto de mim que eu te enfio a porrada babaca".

 

Pausa, para você entender melhor a cena: Eu, com 12 anos, nanico, chamando um garoto de seus possíveis 16 ou 17, que eu devia bater no ombro para briga e dizendo que ia acabar com ele.

 

Volta para a realidade: o garoto, certamente sem entender de onde vinha aquela voz de criança, olha incrédulo em minha direção, me ignora e volta a olhar para o meu irmão. Mas dessa vez não consegue ignorar minha cartada final:

 

"Ahhh tá com medo FELADAPUTA?"

 

Funcionou perfeitamente, problema resolvido, incrédulo deixou meu irmão para lá e começou a andar na minha direção. Eu tinha agora cerca de 10 segundos para resolver o meu problema, talvez devesse ter fugido, mas frouxo eu nunca fui, medroso talvez, frouxo não. 

 

Esperei de braços abertos, estilo Cristo Redentor , fingindo estar rendido. Quando ele entrou no meu raio de ação, larguei o maior tapa que podia na cara dele e corri como se minha vida dependesse disso(ainda era o mais rápido da sala). 

 

Enquanto driblava as pessoas na areia e jogava algumas na frente dele, cheguei a tomar um chute na coxa que me deixou mancando por semanas(ou dias? Ou meses? vai saber), até que no meio da multidão, já fora da vista do cara, fui resgatado por um instrutor de JiuJitsu da academia, que me acalmou enquanto em desespero eu pedia para ele ir lá e acabar com ele. 

Ele me levou para barraca dele, me comprou água com gás e me acalmou.

Fez a coisa certa, mas na época, achava que tinha que ter ido lá e batido no cara.

Ainda consegui curtir uma pequena glória quando testemunhas exageraram dizendo que meu tapa o havia derrubado, não era o que minha memória dizia, mas não desmenti.

 

Voltei para casa mancando e encontrei meu irmão lá, que se perdeu e sem alternativa de contato, simplesmente retornou "a base". 

 

A raiva me rondava a cabeça, mas meu tio, com quem tinha ótimo relacionamento e confidenciei o acontecido, me disse que não me preocupasse, pois era novo, que iria crescer, encorpar, me tornar um casca grossa de JiuJItsu e um dia encontraria ele na praia, bateria no ombro dele e diria "Ei, está lembrado de mim? Pois bem, mas eu não esqueci de você. Levanta se não quiser apanhar sentado" 

 

Ele até criou o diálogo que ficou na minha cabeça muito tempo e colocou uma meta que me motivou muitos anos (ou será que foram meses?). 

 

Não sei se meu tio foi genial ou irresponsável, mas alguns anos depois, quando acreditava ter capacidade de colocar o texto em prática, ja não tinha mais sede de vingança e também ouvi falar que o garoto chegou a ser preso. Querendo ou não, meu tio acabou sendo genial. 

 

Motorista I

 

Desde novo, ia de ônibus para o colégio, primeiro da própria escola e posteriormente ônibus público. A má educação dos motoristas, em sua maioria, sempre foi assustadora. Além da direção perigosa, havia o injustificável hábito de sair andando com passageiros ainda pendurados na porta. Em uma dessas vezes, um amigo, minha namorada e eu fomos vítimas dessa prática. Eu estava por último e quando consegui entrar, com todos em segurança, obviamente xinguei o motorista. 

Minha namorada desceu e ele ficou olhando para ela, o que já me deixou incomodado. Na minha vez, já no ponto da praça General Osório, em Ipanema, quando desci ele disse: " fala agora o que você me xingou". E não precisou pedir duas vezes, repeti e ainda completei "se você descer aqui te enfio a porrada" 

 

PAUSA: Esse é o reflexo da cultura da época dentro do JiuJitsu, nos davam a perigosa sensação de que poderíamos enfrentar qualquer um, independente de tamanho. Minha boa índole não permitia "correr atrás" de brigar com alguém covardemente, como ficaram famosos os PITBOYS, mas essa mesma índole, não me fazia amarelar para ninguém.

 

O motorista era , na minha memória, um homem feito, mas vamos concordar que no mínimo tinha 18 anos. 

 

Desligou o motor e pensei "Que maluco! Agora ferrou."

 

Conforme descia já me preparei para o confronto. Minha primeira tentativa de derrubar, tomei um soco no olho que tive dificuldade de disfarçar o roxo em casa (disse que houve uma freada e bati no banco da frente). Mas na segunda tentativa, consegui derrubar e caí montado.

Meu amigo saltaria dois pontos depois mas acabou descendo, estrategicamente se uniu ao trocador, convencendo-o a ajudar a separar. Depois me explicou que preferiu agir assim, para evitar que o trocador me "juntasse" e dessa forma eles acabaram com a briga.

 

Em cima dele, ainda tinha inocência e não desferi nenhum soco, apenas tentei sem sucesso uma chave, conhecida como americana. 

 

Sai me sentindo perdedor, devido ao soco, mas o motorista também deve ter tido a mesma sensação de derrota, pois ao separarem ele correu para dentro do ônibus e foi embora. 

Os passageiros assistiram tudo pela janela, incrédulos. 

 

As inúmeras histórias podem dar a impressão errada mas,  acho que foi devido a uma soma de fatores e uma época.  Um de forte influência foi o meu tamanho, pois acabava virando um imã para pseudo valentes, junto com o fato de nunca aceitar calado nenhuma provocação.

 

Praia II 

 

Um exemplo claro disso foi nos meus prováveis 15 anos , durante uma partida de vôlei de praia, um garoto dois anos mais velho do time adversário começar um discussão com uma pessoa do meu time. Fora ser do mesmo time dessa pessoa, eu não tinha nenhum envolvimento com a discussão , mas estava perto. Ele então, inesperadamente me deu um soco. 

Dei sorte de não cair e consegui imediatamente derrubar ele, caindo montado. Ainda na minha inocência  não dei nenhum soco nele, apenas o segurei no chão que, no desespero de sair, me deu uma mordida na perna que ficou marca por muito tempo. 

 

Tive sede de vingança, cheguei na academia, contei ao professor e disse que queria me vingar e brigar com o tal garoto.

Qual você acha que deveria ter sido a reação desse professor? Qual você acha que seria minha reação, se hoje, um aluno (de qualquer faixa etária, mas principalmente dessa) viesse me falar isso?

Esquece a lógica, esse professor designou um faixa marrom para me treinar para essa briga.

80% do meu aprendizado referente a porrada, vieram dessas aulas, onde não somente o faixa marrom, mas também vários outros alunos se uniram para "me preparar".

 

A revanche nunca aconteceu, fui várias vezes no prédio do garoto, interfonava, chamava para descer , caçava, mas nunca mais batemos de frente.

Só voltamos a nos esbarrar quando eu tinha uns 19 anos, já de faixa marrom. A tensão ficou no ar, mas estendemos a mão e zelamos a paz. Já não fazia mais sentido, mas, por outro lado, aquela raiva foi combustível para muita dedicação no treino. 

 

Intercâmbio nos EUA

 

As aulas de porrada não ficaram só na teoria. Logo depois , ainda com quinze anos, fui fazer intercâmbio de um ano nos EUA. Lá entrei para o time de Wrestling na escola, no estado de Iowa, ainda hoje considerado dos mais tradicionais no esporte. 

 

Vivi lá uma cena de filme. No velho estilo " te pego lá fora". Essa foi a ameaça que recebi de um dos garotos do time de wrestling, que era da categoria de 65kgs, enquanto eu era da categoria de 56kgs.

 

 

Confesso que não lembro os detalhes exatos do que levou, mas lembro que teve relação a alguma zoacão que tentou fazer comigo e meu pequeno grupo de amigos, e nem meu pobre inglês me impediu de ficar quieto.

 

Ameaça sofrida, briga marcada. Até o fim da aula, igual a filme de sessão da tarde, tive que ouvir gracinhas dos amigos dele falando que ele ia me enfiar a porrada, eu respondia o que sabia: "We will see".

 

Já fora do perímetro da escola, ficamos frente a frente e várias crianças em volta. Nos estudamos um pouco e quando ele tentou me dar um soco entrei na baiana (eles chamam de double leg, mas eu não estava fazendo wrestling ali, e sim Jiu-Jitsu PORRA rs)

 

Ele caiu e teve o reflexo imediato de um wrestler virando de quatro apoios. Imediatamente coloquei os ganchos e encaixei um mata leão. Conforme apertava, pedi para um amigo avisar quando ele dormisse, mas não chegou nesse ponto e separaram. 

 

Achei que tinha acabado, mas ele voltou a andar na minha direção , armei base de novo, no estilo clássico que se tornou popular com Royce Gracie,  mas ele estendeu a mão e terminou a briga.

 

Ninguém mais mexia com brasileiro do sotaque estranho e nem meu grupo.

 

No dia seguinte fui chamado na diretoria que me ameaçou dizendo que se tivesse sido dentro da escola, eu teria sido expulso. Não houve maiores problemas, eu tinha phd em ir parar na coordenação e soube dar as respostas certas para minimizar a situação. 

 

Vamos lá, a saga continua. Lembre-se que existe uma palavra em comum com todas essas histórias e quero chegar em algum lugar que ainda não tenho certeza,  essa foi a base da inspiração para fazer os registros. 

 

Motorista II

 

De volta do intercâmbio, estava voltando do shopping Rio Sul, com amigos, namorada e meu irmão. Praticamente a cópia do que aconteceu na história do ônibus anterior, aconteceu aqui, só que com meu irmão pendurado fora por vários metros. Ele também xingou o motorista, dessa vez da linha 125, que fazia ponto final na mesma Praça General Osório.

 

Sentados em bancos separados, notei que o motorista encarou meu irmão pelo retrovisor por toda viagem e no ponto final também tentou enquadrar ele, que , diga-se de passagem, começou também a fazer JiuJitsu durante meu intercâmbio.

 

Justiça seja feita, o JiuJitsu também tinha uma coisa forte de deixar rolar o "mano a mano", ou seja, não era comum juntarem alguém.

 

Dessa vez fiquei de fora observando o que parecia que ia ser uma briga entre o meu irmão e o motorista, mas o motorista, talvez pela diferença de idade e tamanho, achou que daria conta dos dois e, ao andar na direção do meu irmão, resolveu que me daria um soco no caminho.

 

Eu estava muito atento, esquivei do soco já derrubando e caindo montado. Já não era tão inocente e dessa vez desferi vários socos na cara mas, por inacreditável que pareça, preocupado em não acertar o nariz.

 

Até que separaram, ele ficou em pé e dessa vez, separadamente, foi meu irmão que se embolou com ele, terminando nas costas com um mata leão e soltando quando eu falei para não desmaiar ele. 

 

O curioso de tudo é que foi ao lado de uma cabine da PM que assistiam tudo e nada fizeram. 

 

Boate

 

Durante o ginásio, tive dois amigos mais próximos que acabávamos fazendo muitas coisas juntos. Eram meus melhores amigos "da vida real", ou seja, fora do ambiente do Jiu-Jitsu. 

 

Uma vez, em uma boate, um típico pitboy começou a querer arrumar confusão com um deles, que totalmente da paz, tentava acalmar os ânimos. Eu me aproximei para separar e apaziguar as coisas e o tal " pitboy" fez o quê? Disparou uma cabeçada em mim, pois obviamente, era um alvo mais fácil. Fui totalmente pego de surpresa e acabei com supercílio sangrando. 

 

O segurança se aproximou e fez o quê? Me agarrou pelo pescoço , me escolheu como sendo o problema a ser resolvido ali. 

Eu defendi a agressão do segurança, sem piorar a situação, exemplo que aprendi não no tatame, mas no bom senso e hoje faço questão de ensinar aos meus alunos, inclusive dando esse exemplo milhares de vezes. Se eu tivesse optado por me defender revidando a agressão, o que não só era possível mas foi como aprendi, a noite poderia ter sido trágica, pois certamente os outros seguranças me juntariam, como vi fazerem com outras várias pessoas.

 

Carnaval

 

Nessa mesma época, eu já com uns 18 anos, fui passar o carnaval em Teresópolis, com esses mesmos amigos, irmãos de um deles e outros em comum. Fomos para a festa da Granja Comary, tudo correndo bem, mas notamos um padrão estranhíssimo. Toda hora seguranças arrastando pessoas para fora do clube, da maneira mais bizarra, agressiva e covarde possível. Ficávamos nos perguntando o que de tão sinistro poderiam ter feito, mas ao mesmo tempo, dávamos de ombro, pois estávamos ali relaxando e nos divertindo. 

 

Em determinado momento, o irmão desse meu grande amigo e um amigo dele, deixaram cair um copo de vidro no chão da pista de dança, foram imediatamente cercados por seguranças causando muita confusão. Não lembro as palavras exatas trocadas, mas basicamente queriam extorquir eles, usando como justificativa que tinham que pagar pelo copo quebrado.

 

Lembro dos acontecimentos em flashes, sei que em determinado momento vários seguranças começaram a carregar o irmão desse meu amigo e o amigo dele para um corredor, atrás de uma porta. Minha reação foi de abraçar ele (cinturar, como é o termo que usamos no Jiu-Jitsu) e saber que estava entrando para apanhar. Junto entrou também o irmão mais velho desse meu amigo e mais ninguém, segundo soube, outros tentaram e foram impedidos. 

 

Lá dentro muita discussão em um corredor onde estávamos cercados, um pavil  de pólvora e eu, acabei tendo uma reação que desencadeou a pancadaria geral e fui imediatamente agarrado numa gravata. Posição na qual era especialista em defender. Só não contava com um detalhe, estávamos num corredor de dois ou três metros de largura e com muitas pessoas. Quando consegui desequilibrar o segurança que me agarrava, ele não caiu no chão, ficou apenas apoiado na parede e continuou a me enforcar. Perdi a consciência e ele me largou. Lembro de acordar e não estar sequer caído no chão, de tão apertado, também estava escorado nos outros e voltei a ficar em pé. 

Todo mundo se deu mal, saímos escorraçados do clube, da mesma forma que vimos várias outras pessoas sendo expulsas antes. Outros foliões nos olhavam com reprovação , certamente se perguntando o que de tão bizarro havíamos feito.

 

Moda

 Felipe Costa

Nessa altura o boom do Jiu-Jitsu já tinha acontecido e o descontrole era geral, tendo a cultura da briga contaminado vários garotos ou de má índole, ou de cabeça fraca. A máfia dos seguranças trabalhavam com intenção de brigar e não de manter a paz. 

 

Entre os garotos, haviam os que iam com protetor de boca e até joelheira, por baixo da calça jeans,  para o caso de acontecer uma briga, o que simplesmente mostra a pré disposição a confusão.

 

 A má reputação do JiuJitsu tomou uma proporção enorme, a ponto de em qualquer reportagem de briga os noticiários colocarem na manchete se tratar de praticante de JiuJitsu, mesmo se fosse uma discussão sem nenhuma característica do esporte.

 

Já nessa época começou o declínio do Jiu-Jitsu, ficando totalmente queimado de uma forma que reflete até os dias de hoje. Já, mais de uma vez, tive pais de amigos do meu filho falarem que nunca considerariam colocar os filhos no esporte, pois viveram nesse período e ficou essa péssima marca. 

 

 

Briga de trânsito 

 

De carona, voltando de uma viagem de fim de semana com esse mesmo amigo de Teresópolis. Ao menos um ano depois do carnaval, estrada lotada e aquele trânsito chato no estilo, pára, anda, pára, anda... um carro bateu na traseira dele. O motorista tentou fugir, meu amigo foi atrás e conseguiu cercar ele, parando todo mundo no acostamento. 

 

O cara estava com mulher e filhos, era um cara grande, barrigudo e já saiu gritando tentando intimidar meu amigo. Todos saímos do nosso carro e a mulher do cara tentando acalmar ele. Para nós uma cena assustadora e de fato intimidante. Em determinado momento ele chegou muito perto do meu amigo de uma forma que achei que ia bater nele, eu reagi então dando  um pisão na altura da barriga dele (pisão é o único chute que se ensina no JiuJitsu, serve para afastar e também para medir distância antes de entrar numa queda). 

 

O efeito não poderia ser melhor, ele se assustou com a reação e recuou. A mulher dele começou a gritar e arrastar ele de volta ao carro implorando que parasse. 

 

Ela deu na mão do meu amigo um cartão dele e disse que não se preocupassem que ele pagaria tudo. 

 

Para nossa surpresa, de fato eles acabaram pagando tudo. Meu amigo passou o ocorrido para o pai, que resolveu a situação via telefone. 

 

Nessa época me senti muito injustiçado com um comentário do pai do meu amigo, que posteriormente disse de forma sarcástica "Sempre que está com Felipe há confusão”. Sabia que ele se referia ao episódio do carnaval e agora esse. Fiquei muito chateado, mas tive a presença de espírito de dar uma resposta que na época me pareceu na medida: "Das poucas vezes que briguei foi para defender um filho seu que não soube se defender sozinho." Ele engoliu seco e não respondeu de volta. Meu amigo não escutou, graças a Deus,  e só vai saber se acabar lendo esse texto, mas a então namorada dele na época estava perto e depois me disse alguma coisa de apoio, do tipo " boa resposta". 

 

Jiu-Jitsu Esportivo e como o conceito entra em você

 

O Jiu-Jitsu como esporte de competição estava em franco crescimento. Com a moda, quase todo mundo ao menos experimentou. A rivalidade entre diferentes academias era enorme e muitas vezes gerava brigas de rua entre diferentes equipes. Eu nunca participei de nenhuma e os meus amigos mais próximos também não, mas éramos extremamente respeitados por termos no nosso grupo excelentes competidores. 

 

Quando uso a primeira pessoa do plural, faço tão somente por ser amigo do grupo, já que eu, nesse período, não tinha nenhuma expressão  como competidor e toda fama e respeito vir através dos meus companheiros de treino.

 

Apesar da proibição de treinar em academias rivais, alguns grupos se uniam na amizade devido a localização geográfica e o Posto 8, em Ipanema, acabou criando um grupo de amigos que treinavam em diferentes academias de Jiu-Jitsu e alguns Judocas.

 

Desse grupo, quase todos continuam amigos, claro que alguns mais próximos que outros, muitos tiveram diferentes rumos na vida, mas outros tantos continuam frequentando o exato mesmo Point. Boa parcela, vive hoje do Jiu-Jitsu ou Judô.

 

Eu era um pouco mais novo que o "grosso" dessa turma, então muitas histórias apenas conheci de ouvir contar e apenas presenciei uma briga ao vivo, como mero espectador e nenhum participante era meu companheiro de treino. 

 

Por crescer cercado de um grupo que desde o início foi muito bem sucedido nos campeonatos, respirava aquele ambiente, e me espelhava no melhor de cada um. Sonhava em ter sucesso competindo, mas apesar de treinar bem e ser considerado técnico, o nervosismo e falta de experiência sempre me paravam nas primeiras lutas.

 

Amava aquele ambiente de treino forte, dedicação e busca por um objetivo. O tatame era o lugar onde eu esquecia de todos os problemas. A admiração por meus professores e satisfação pelo sucesso deles e dos meus companheiros de treino estavam entre as maiores alegrias, senão a maior, da minha vida.

 

Como muitas pessoas que começam a treinar Jiu-Jitsu relatam, eu passava inúmeras horas do dia pensando nisso. A lógica do esporte de "mínimo de força para o máximo de eficiência" se arraigou de uma maneira absurda no meu dia a dia e nos atos mais banais, como tirar uma camisa, carregar uma mochila ou se segurar no ônibus. Passei a pensar  qual forma faria menos esforço em TUDO que fazia.

 

Confiança

 

A amizade entre os companheiros de treino, para mim era sagrada. O nível de confiança que se cria no Jiu-Jitsu ao colocar sua vida na mão do seu companheiro de treino é coisa de outro mundo. Falando assim, pode parecer exagero, mas quantas pessoas você confiaria de deixar tentar quebrar várias partes do seu corpo ou te enforcar até quase perder a consciência , para então ter certeza que no segundo que você desse um sinal ela pararia imediatamente? No Jiu-Jitsu, ferir essa regra é inadmissível.

 

Há também toda uma lógica de hierarquia conquistada através de antiguidade e respeito dentro dos treinos, onde o ego é colocado a prova a todo instante. 

Cansei de ver pessoas talentosas desistirem quando enfrentava dificuldades e outros com menores aptidões, mas maior resiliência (para usar o termo da moda), aos poucos melhorarem e sobressairem-se.

 

Eu, do fundo do coração, cresci acreditando que daria minha vida em nome das amizades que criei ali. 

 

Campeonato de Equipes 

 

O Campeonato Brasileiro de Equipes era o campeonato onde a união  mais aparecia. Consistia em cada equipe entrar com sete lutadores, sendo dois deles reservas que poderiam lutar, ou não, de acordo com a estratégia , baseado em alguma característica da equipe adversária, para que um titular pudesse descansar, ou no caso de alguém se lesionar.

 

Eu amava acompanhar esses torneios apesar de nas eliminatórias dentro da própria academia nunca conseguir uma vaga entre os sete melhores. Não consegui na época de juvenil, nem nos anos de azul (que foram três) e nem no primeiro ano de roxa.

 

Sempre tive vontade, mas a equipe era muito forte. Já ficava feliz de poder ajudar nos treinos e na hora da luta, torcendo. Muitas vezes nossa equipe ganhava ou ao menos conquistava ótimos resultados. 

 

Sem contar com os vários graduados que eu venerava, haviam pessoas que regulavam comigo em idade, peso e faixa. Evoluímos relativamente juntos, mas eles sempre uns vários passos a minha frente. 

 

Entrávamos em todas competições individuais, maioria deles sempre traziam o ouro e eu sempre perdia. Mas eu observava e tentava replicar tudo de bom que eles faziam. Tentava, muitas vezes sem sucesso, me espelhar nos pontos fortes de cada um para buscar minha evolução e em muitos aspectos, graças ao exemplo deles, fui começando a ter melhores resultados.

 

No meu penúltimo ano de faixa roxa, consegui fazer parte da equipe, como reserva, nessa época eu já tinha tido uma boa evolução nas competições,  mas tive mais sorte do que mérito, já que muitos estavam machucados e um desses companheiros de treino optou por não lutar, pois a equipe estava enfraquecida (um gesto para mim estranho, mas isolado. Naquele momento, não me chamou atenção). 

Numa decisão estratégica, no primeiro confronto resolveram me colocar, pois eu era o mais fraco e sabiam que a equipe adversária tinha por hábito colocar de cara  o melhor atleta deles. Para não arriscar colocar um dos melhores nossos e correr o risco de perder, me usaram para queimar o cartucho deles.

Cumpri o papel que me foi dado, não me ajudou psicologicamente entrar sabendo que me colocavam ali para perder, mas até consegui ter uma boa performance, principalmente considerando que eu era realmente um atleta muito menos experiente (para usar um termo que me favorece).

A equipe acabou não conseguindo avançar mas, infelizmente, não lembro como foram os outros confrontos. 

 

Amadurecimento

 

Aos poucos comecei a melhorar nas competições, segui sem conseguir ouro em nenhum campeonato grande, mas mostrava um amadurecimento e aumento de confiança de um torneio para o outro.

Haviam campeonatos internos e pequenas seletivas e eu participava de todos. Uma simples vitória já me trazia alegria e acreditava que eventualmente as coisas iriam melhorar.

 

Aos poucos a simples vitória deixou de satisfazer e só a medalha trazia a maior satisfação. Foi uma evolução gradativa, depois a medalha não era o suficiente, eu queria o primeiro lugar e cheguei a ter sucesso em torneios menores e campeonatos internos, algo que naquele momento satisfazia.

 

Salvo engano, o primeiro Mundial de JiuJitsu foi em 1996. Eu tentei disputar todos enquanto usava as faixas coloridas até minha faixa preta. Às vezes perdia na seletiva e nem chegava a entrar no campeonato e, quando conseguia, dificilmente avançava da primeira fase.

 

Competir era algo natural, praticamente todos companheiros de treino faziam e eu também pelo prazer que tinha em todo processo. Não pensava no futuro e nem por um segundo imaginei que poderia virar uma profissão.  

 

Esporte individual 

 

O JiuJitsu é o esporte individual mais coletivo que existe. Sim, de fato na hora da luta é você e mais ninguém. Em contrapartida, é impossível se preparar ou evoluir sozinho. Depende-se inteiramente dos companheiros de treino e, quanto mais afinidade, confiança e comprometimento mútuo, maior a chance de sucesso.

 

Minha maneira de entrega e amizade me fez esperar, algumas vezes, uma reação que teria para com o outro, mas não tiveram comigo. Lembro de dois exemplos, o primeiro teve pouco reflexo no futuro:

 

Em um campeonato interno, em minha categoria, acabou tendo uma chave de apenas três pessoas, sendo uma dessas um amigo que eu treinava diariamente, sendo ele um pouco mais velho, um pouco mais experiente e diria que até um pouco mais técnico, já que costumava se sobressair no treino contra mim.

 

A tradição do esporte dizia que companheiros de academia não se enfrentam em público, caso cheguem na final decidem o vencedor antes ou depois baseado nos treinos da academia. Mas por ser uma chave de três, existe um detalhe atípico. A pessoa que perde a primeira luta, volta a lutar com a “terceira” e desse confronto sai a disputa da final entre o primeiro vencedor e o vencedor do segundo confronto. Quem perde a primeira, tem a oportunidade de lutar de novo.

 

A chave caiu entre o meu amigo e o garoto da outra academia e eu esperando o derrotado da primeira disputa para então tentar vencê-lo e “ fechar” a final com meu amigo de treino.

 

Só esquecemos de combinar com o adversário da outra academia, que acabou vencendo a primeira luta, forçando o meu amigo a ir contra mim na que seria considerada a SEMI. 

Baseado no que eu faria, achei que meu amigo, por já ter perdido, abriria a vaga para eu poder avançar e lutar com o outro, mas,  para minha surpresa ele disse que “não, quero lutar, pois quero ter a chance de disputar de novo contra ele”.

Fui pego bastante de surpresa, mas acabei vencendo os dois e ganhando aquele pequeno campeonato interno. 

Não houve climão, mas foi mais um alerta de que nem todos pensavam exatamente como eu. 

 

segundo exemplo foi novamente em um campeonato Brasileiro. Já de faixa marrom, acabei conseguindo entrar de novo na equipe, mas em circunstâncias semelhantes a outra ocasião. Os melhores estavam indisponíveis, não lembro se por lesão ou outra razão. Pelos que sobraram, acabamos montando uma equipe de cinco atletas, ou seja, sem nenhum reserva, mas um titular absoluto não queria participar (o que não entrava na minha cabeça pois ele era realmente muito bom e capaz de ganhar de quase qualquer um), pressionei muito e como éramos muito amigos, acabou entrando como reserva, dizendo que só lutaria se alguém se machucasse.  

 

(Foi o mesmo que naquele Brasileiro de Equipes anterior. Em determinado momento disse que só queria entrar se tivesse chance de ganhar, um pensamento que considerei egoista, mas abstraí, pois  raramente perdia e tentei entender um pouco a lógica dele)

 

O que ele nunca esperava é que de fato, na primeira rodada, apesar de termos avançado , eu acabaria me machucando feio na minha luta e ficaria sem chance de disputar a segunda rodada. Tinha certeza que ele me substituiria, pois, além de ter sido o combinado, ele era sem dúvida muito bom e raramente perdia.

 

Ele não só se negou a lutar, como deixou a equipe seguir com uma pessoa a menos e acabamos sendo derrotados. Para mim, foi inconcebível aquela atitude, egoista e pensando zero na equipe. Em nome da nossa amizade, consegui deixar para lá e superei, mas anos depois cheguei a conclusão que ele nunca se perdoou daquela vergonha e de termos descoberto claramente que, apesar de muito bom, era um frouxo. Sem eu perceber, aquele fato contribuiu para nossa amizade ir roendo aos poucos até se tornar inexistente, pela soma de outros fatores, claro. 

 

Faixa Preta

 

Por volta dos meus vinte e três anos recebi a faixa preta e apesar de estar numa crescente, ainda me sentia limitado em muitos aspectos.  

 

Crescer rodeado de tantos campeões me fez conhecer muito bem minhas limitações e me comparar sempre com os melhores. Seria como um pintor de talento, mas não genial, nascer em Paris ou em Sao Paulo. Arrisco dizer que  o paulista se exigiria muito menos do que o parisiense.

 

Cheguei a me conformar que nunca atingiria aqueles resultados e até me considerava satisfeito com minhas poucas conquistas.

 

Em 2003, , um ano depois de me graduar faixa preta, conquistei o titulo de Campeão Mundial, me tornando o primeiro atleta a conquistar esse título sem nunca ter ganho uma medalha de ouro da IBJJF nas faixas anteriores. Basicamente, em outras palavras, posso dizer que os campeões costumam ser os que nasceram com as aptidões físicas, talentos naturais e dom para o esporte e fora isso conseguiram se esforçar em busca dos resultados. Eu fui o primeiro e ainda hoje o único que conseguiu conquistar o maior titulo da historia do Jiu-Jitsu, não apenas por esses atributos, mas principalmente pela força de vontade e raça .

Felipe Costa

Felipe Costa

 

Cheguei aqui

 

Minhas experiências me trouxeram até aqui, boas ou ruins, melhores ou piores, me transformaram em quem sou hoje. 

Tenho de faixa preta muito mais tempo do que passei na soma das faixas coloridas e de Jiu-Jitsu. Desde que nasci, já vivi mais tempo praticando do que sendo leigo. 

 

Outro dia me perguntaram se eu tinha vontade de bater em alguém, respondi que nenhuma. Perguntaram se não tinha vontade de fazer uma luta de MMA como o "Ultimate test" das minhas aptidões. Respondi que só faria sentido se ainda fosse a época de estilo contra estilo e eu fosse defender a arte, mas os tempos mudaram e, nesse aspecto, o meu maior teste seria ser atacado por alguém e sem machucar essa pessoa, conseguisse neutralizar e controlar a situação, da exata maneira que ensino meus alunos todo dia na academia. 

 

Essas sao algumas historias que acredito terem me influenciado a me tornar quem sou dentro do Jiu-Jitsu, mas não são todas, apenas as que considerei relevante dentro desse relato e que achei ter relação com a palavra central das historias. Me motivei a escrever para registrar antes que minha memória me traia (parece ate um velho falando rs). Se alguém se interessar e tirar algum aprendizado delas, será uma alegria extra.

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